Quando comecei a interessar-me por comunicar e viver bem com esta pessoa que habita em mim, tornou-se essencial escutar o corpo. Falar uma língua estrangeira é sempre um desafio, mas pode tornar-se bastante emocionante e interessante se estivermos empenhados em aprendê-la. Escutar a linguagem do meu próprio corpo foram os primeiros passos e depois foi tão transbordante a minha curiosidade que a estendi aos amigos, clientes, alunos… enfim, toda a matéria-humana disponível para que eu pudesse explorar esse novo mundo.

Não há nada melhor para nos tornarmos especialistas em algo, do que começar por não saber nada sobre o assunto, mantermos a disponibilidade para aprender e estarmos abertos ao que vier. Assim, estudei profundamente a expressão das emoções no corpo físico e particularmente como se reflectiam nos nossos pés, tornando-me fluente numa língua estranha para os ouvidos desatentos do ser humano comum.

Como reflexologista, e por variadíssimas razões, os pés são e continuarão a ser, a forma de análise e auto-análise preferencial. Poderia nomear razões suficientes para escolher os pés, mas existe uma que considero principal e que me prende nessa área do corpo: os pés não mentem, mudam connosco e dão-nos informação que quase nunca temos consciência.

Sempre que falo sobre a linguagem dos pés e no significado dos sinais e das “frases” que lá se encontram, mesmo numa turma de futuros reflexologistas, o primeiro comentário é sempre o mesmo: “… mas isto é assim porque usei uns sapatos que …”. Invariavelmente respondo sempre com as mesmas perguntas: Quando estamos tristes caminhamos da mesma forma como quando estamos radiantes? Se caminhamos de forma diferente, o impacto sobre os pés será o mesmo? E o que acontece ao modo de caminhar de alguém que é sujeito à mesma emoção de forma continuada? E o que acontecerá aos pés?

Para os mais cépticos e que preferem que exista uma base científica, deixem-me recordar, neste ponto, que o corpo regista todas as nossas memórias e crenças a um nível celular e que esta conexão já foi demonstrada por cientistas, tal como Candace Pert (1946 – 2013) neurocientista americana, que deixou publicados mais de 250 artigos científicos para além de vários livros sobre o tema, saliento no entanto o livro “Molecules Of Emotion: The Science Between Mind-Body Medicine” (publicado em 1999), ou mesmo Bruce Lipton, biólogo americano, no seu “Biologia da Crença” (publicado em 2008).

Num artigo anterior, falei sobre o significado da dor e sobre a forma como o nosso corpo parece muitas vezes tentar comunicar connosco. Contudo, cada vez mais distantes da nossa própria natureza, tentamos calar essa voz que teimosamente quer dizer-nos algo. Usamos para além de outras formas, analgésicos, antidepressivos, ansiolíticos que não nos deixam escutar essa mensagem que o corpo teima em expressar.

O que a Mente reprime, o corpo expressa, alguém disse. E é isso mesmo. Ser reflexologista é uma forma excelente de iniciarmos a aprendizagem de escutar a linguagem do corpo. No entendimento do que cada corpo está a expressar, sabendo que cada corpo tem uma linguagem e codificação própria, pois não existem duas pessoas iguais. Tal como qualquer língua tem os seus dialectos ou variações, aqui temos 7 biliões de dialectos diferentes. Como exemplo, o significado de um joanete pode ser bastante variado e só conseguimos entender a mensagem se estivermos dispostos a escutar, sem generalizações falíveis.

Parece difícil? Nem tanto, imagine que ao longo da sua vida todas as emoções e situações que não quis enfrentar… com as quais não quis aprender, varreu-as para debaixo do tapete… a sua própria pele. Quando chega até nós, ajudamos a levantar o tapete e ensinamos a manter vazio o espaço entre o tapete e o chão. A seguir vem uma parte deveras importante: agora que sabe o que está lá debaixo e sabe o que fazer para não gerar mais detritos, pode decidir voltar a deixar tudo como está ou decidir limpar tudo, correndo o risco de ter alergias porque o pó é muito, sujar a roupa no processo e até sentir emoções bem fortes, como irritação, raiva ou frustração… Seria tão mais confortável chamar uma equipa de limpeza e não ter de lidar com tudo o que acumulamos e que estava escondido. Na realidade a equipa de limpeza não consegue limpar o que está debaixo do tapete, só o próprio consegue fazer isso, ela apenas coloca uma cobertura exactamente da cor do chão por cima do que devia ser limpo, voltando a colocar o tapete no sítio onde estava, dando-nos a sensação que a casa está limpa. Algumas limpezas depois o tapete fica tão alto, que já não dá mais para esconder o que está debaixo dele, só que agora o esforço para resolver a situação é mesmo muito grande.

Confortavelmente, habituamo-nos a colocar coisas debaixo do tapete e a chamar alguém para resolver as situações que nos recusamos a aprender a lidar, evitando, assim, fazermos as mudanças necessárias. Aprenderemos neste caso a deixar de colocar o lixo debaixo do tapete? Não. Criamos apenas a ilusão de que a casa está limpa, porque sempre que a equipa de limpeza vem, deixa no ar uma sensação de bem-estar muito agradável.

Na Tesed o nosso objectivo como terapeutas, e como formadores, é ensinar novas formas de funcionar, mais úteis e adequadas, que permitam sair de um ciclo repetitivo de acumulação de lixo e de equipas especializadas em escondê-lo. O objectivo é que se aprenda a lidar, seja com que situação for, da forma mais adequada a cada um, resolvendo as questões à medida que surjam, sem ser necessário sequer ter um tapete onde se esconde o que se sente. É saber na prática que a vida é um processo de aprendizagem continua, que nem sempre é fácil, mas que o entendimento desse percurso é o que lhe dá um sentido maior que nascer, consumir e morrer. Em vez de corrermos aleatória e continuadamente para posições de conforto e bem-estar, viver pode mesmo tornar-se um exercício de enorme prazer e satisfação quando aprendemos a escutar e a falar a linguagem do corpo.