Deve existir muito poucos de nós que tenham ultrapassado os 30 anos e que não tenham visto o filme “A Lista de Shindler”. Um excelente filme de 1993 sobre o Holocausto da Segunda Guerra Mundial, realizado por Steven Spielberg, com Liam Neeson, no papel de Oskar Schindler, empresário alemão pertencente ao partido Nazi, Ralph Fiennes como oficial da SS e Ben Kingsley como judeu que geria as operações da fábrica de Schindler.

O que provavelmente poucos de nós fez, foi rever esse filme acompanhado de um adolescente inquieto e cheio de questões, por não entender a razão para algumas das situações que o filme ia documentando. As questões foram muitas, mas uma delas surpreendeu-me por não conseguir deixar de pensar nela após o fim do filme. Perto da primeira meia hora do filme aquela pergunta voava, sem receios, na minha direcção: “Mas porque é que ele está a fazer isto, a ajudar os judeus?”

A resposta que saiu disparada da minha boca quase sem pensar foi: “Ele não está a ajudar os judeus. Está a ajudar-se a si mesmo. É um homem de negócios a fazer negócios”. Que surpresa aquela frase ter saído assim, mas era o que era, Oskar Schindler não tinha qualquer intenção de salvar ninguém, o único objectivo que tinha era amealhar dinheiro suficiente para viver o resto da vida sem se preocupar.

A primeira parte deste filme é praticamente centrada num empresário que quer lucrar com a guerra e com a mão-de-obra escrava. Apesar de ter notado os desvios na “contratação de pessoal”, que o seu contabilista judeu e gestor operacional da fábrica fazia, acabava por não se importar, pois tudo aquilo era lucrativo e muito lucrativo. Poderíamos nessa altura do filme e, de forma fria, catalogá-lo como egoísta e um “bon vivant”. De facto, naquele momento ele estava apenas a cumprir o seu objectivo e a tirar o melhor partido da situação, podemos julgá-lo dessa forma, mas seria, como o filme demonstra mais tarde, uma classificação demasiado precoce.

Schindler, tal como todos, estava a ser levado no meio daquele turbilhão de inconsciência que foi o holocausto na 2ªGuerra Mundial e é o seu posicionamento de observador consciente e o seu sentido de “faz aos outros aquilo que gostavas que fizessem a ti” que o tornaram num observador activo. Essa elevação de consciência vai-se acentuando à medida que o filme decorre, até ao seu arrependimento final, quando toma real consciência da vida que levou e de como poderia ter salvo mais vidas se tivesse vivido de forma mais humilde.

Podemos sempre analisar o seu comportamento e tentar agora à distância entender qual seria a melhor via para salvar mais pessoas. Ele tinha pelo menos quatro opções.

Primeira: viver como viveu e obter aquilo que já conhecemos.

Segundo, viver da mesma forma, mas mais centrado em ganhar e acumular maior riqueza, evitando gastar dinheiro em superficialidades e em luxos desnecessários, o que lhe teria possibilitado ajudar ainda mais pessoas a escapar a um fim trágico.

Numa terceira opção, deixaria de pensar em si e no seu objectivo por pena dos judeus, passando a pensar mais em como ajudá-los diariamente, tentando dar-lhes algum conforto, comida e condições mínimas de sobrevivência, gastando o dinheiro que ia juntando dessa forma paliativa. Seria garantidamente considerado amigo dos judeus, e para evitar a sua prisão teria de pagar grandes somas em subornos para manter a sua liberdade e manter o conforto das pessoas que trabalhavam na sua fábrica. No final o resultado teria sido garantidamente bem diferente, possivelmente não teria dinheiro para salvar ninguém e os judeus da sua fábrica teriam sido condenados à camara de gás, como todos os outros, sem qualquer discriminação. Neste caso ele tinha sido uma pessoa bondosa e que se tinha sacrificado para ajudar pessoas que estavam necessitadas, mas o resultado desse sacrifício teria sido em vão.

Numa quarta opção, ele não teria ajudado ninguém e no final da guerra teria ficado com o dinheiro acumulado pensando apenas em si, neste caso seria egoísmo puro, pois aquilo que acumulou não disponibilizou para os outros em momento algum, mantendo-se assim inconsciente e sem qualquer aprendizagem.

Fosse qual fosse a opção escolhida, seria sempre uma escolha do momento, a qual não poderemos nunca julgar, será sempre uma questão de consciência do próprio.

E a verdade é: quantos de nós nos bloqueamos diariamente porque não queremos ser vistos desta forma? Como seres que nos focamos apenas em nós e em atingir os nossos objectivos?

E se formos mais além, quando estamos a viver o momento presente, como é que podemos saber quem podemos ajudar no futuro? Ao se ajudar a si próprio, Schindler teve recursos para mais tarde poder subornar as SS e salvar a vida a mais de 1000 judeus, gastando toda a fortuna acumulada durante a guerra nesse esforço. Se ele se tivesse mesmo focado no objectivo que tinha, que era acumular o máximo de dinheiro, ainda teria conseguido ajudar mais pessoas. Se definirmos o que queremos e formos congruentes com esse objectivo, quem sabe o que podemos fazer?

Tudo depende da forma como encaramos as situações que temos de enfrentar e daquilo que se torna importante para nós no momento. Pensa em ti e o que conseguires disponibiliza para os outros. Se ele tivesse seguido integralmente esta regra teria acumulado mais riqueza, possibilitando salvar ainda mais pessoas do holocausto, não teria gasto dinheiro em situações sem valor acrescentado, como o próprio reconhece no final do filme. Mas isso não seria possível saber na altura em que a situação era vivida, ninguém sabe o futuro.

Ao centrarmo-nos no julgamento dos nossos actos e das nossas escolhas, estamos a perder oportunidades de sermos efectivos na prossecução dos nossos objectivos, e ficamos sem saber o quão importante pode ser para outros que esses objectivos sejam atingidos. Por vezes, e a história mostra-nos isso, mantendo a nossa consciência livre, existem vidas que dependem da nossa capacidade de nos centrarmos única e exclusivamente em nós.

Convido-vos a rever o filme e a perceber o que até então estava claro para mim, mas nunca tinha encontrado um exemplo tão evidente daquilo que digo aos terapeutas que venho formando há anos: “Pensa em ti, ajuda-te a ti, inicia o teu processo de cura, quando conseguires fazer isso em pleno, estarás verdadeiramente apto a disponibilizar para os outros o que aprendeste e assim ajudá-los efectivamente.”