Estávamos na década de 80 do século passado e a euforia era enorme. Os computadores pessoais começavam a ganhar espaço nos lares e a internet dava os primeiros passos. Vivíamos as primeiras semanas de gestação de uma era que acreditávamos extraordinária. Num pulo a gravidez desenrolou-se e na segunda metade da década de 90 o nosso bebé tinha nascido. Sem darmos conta e essencialmente devido à educação que lhe demos, o bebé Era da Informação transforma-se na criança Era do Marketing. Aquilo que era uma bênção e jorrava felicidade transforma-se no maior pesadelo que a humanidade já viveu. Uma criança irritante, desonesta, manipulativa, viciada, incapaz de criar mas totalmente consciente de como fazermos o que ela quer, criando-nos a ilusão da criatividade, incapaz de sair da sua área de conforto mas usando a ilusão da mudança.
Será que conseguiremos reverter a situação e educar esta criança de modo a que se torne num adulto honesto, criativo, interessado em viver e em partilhar a vida, respeitando e sendo respeitado?
Na história do planeta e especialmente da humanidade houve sempre épocas difíceis e desafiantes, mas nenhuma outra exigiu de cada um de nós tanta consciência nas decisões e escolhas que fazemos. Temos nas mãos a educação de uma criança mimada e em êxtase, que nos rouba a paciência, que nos faz ultrapassar os nossos limites de autocontrolo, que nos engana com as suas mentiras disfarçadas de verdade provada, ou então apenas com meia verdade, ou ainda, com a verdade escondida, que nos sabe manipular usando as nossas fraquezas.
Como educar esta criança que começa a entrar na adolescência?
Resultante de todas as nossas interacções e atitudes, aquele bebé lindo e amoroso transformou-se nesta criança insuportável. Para a educar temos de reeducar-nos, ganharmos consciência e fazermos escolhas. Sim, vamos ter de escolher, vamos ter de mudar comportamentos, estilos de vida, sair das zonas de conforto, questionar, pesquisar, e não esperar que a informação nos entre pela casa dentro, pois essa é aquela que vem mascarada de informação, qual carnaval! Desfiles de luzes e carros alegóricos que invadem a nossa vida a toda a hora, e nós com direito a bilhetes de primeira fila, atentos a todo aquele festival para podermos contar aos nossos amigos. Quem pode resistir a uma vida assim? Somos felizes enquanto o desfile passa e embriagados por tanta luz, perduramos o momento até à exaustão. Quando nos saturamos do desfile recorremos a ansiolíticos, antidepressivos, antibióticos, anti-inflamatórios, a massagens, meditações de relaxamento, a algo que nos mantenha o transe, alucinogénios variados, vícios à escolha e para todos os gostos, e até a doenças bloqueadoras da vida, mas nunca, nunca nos questionamos, para onde vai o cortejo depois de passar à nossa frente?
Nunca antes de nós uma geração teve um desafio tão grande. A luta sempre foi a mesma mas sem nos apercebermos deixámos a situação chegar ao limite. Quando os acontecimentos sugeriam que a solução tinha aparecido e até a queda do muro de Berlim nos dava a esperança de que estávamos no caminho certo, conectando as duas Alemanhas como exemplo, para o início da conexão de toda a humanidade num objectivo único, a paz e o respeito, essa esperança desvaneceu-se no ar e aquilo que nos dava a sensação de vivermos numa Aldeia Global, transformou-se na maior ferramenta de desconexão, espelhando ao máximo o que está dentro de nós.
Quando o homem vivia em sistemas tribais, a natureza oferecia-lhe aquilo que necessitava em cada momento. As populações eram restritas e o local onde habitava dava-lhe tudo o que precisava. Quando a população cresceu, a natureza deixou de providenciar localmente os recursos suficientes para abastecer as necessidades do homem, tendo emergido vários problemas que nunca antes tinham existido. Sem ter um mapa que o guiasse a encontrar as soluções adequadas, descobriu às suas custas um caminho ao qual chamou de evolução e progresso. Sempre que alguém se levantou a chamar a atenção, para o aspecto da estrada onde colocava os seus pés e para o panorama da paisagem circundante, era imediatamente silenciado. Ao longo da história da humanidade, a mensagem sobre a realidade daquele caminho foi-nos várias vezes transmitida, mas nunca escutada ou entendida. Afastando-nos cada vez mais da Natureza e da sua Lei, fomos adaptando o mundo onde vivíamos ao nosso conforto, simplificando até à exaustão a nossa vida, e de tal forma nos tornámos preguiçosos, que nem nos apercebemos da complexidade do mundo onde vivemos. Nem o facto de termos de enviar os nossos filhos para a escola durante 12 a 17 anos, para conseguirem atabalhoadamente orientar-se no mundo que fomos criando para eles, nos chamou a atenção!
Entretanto, percebemos que com alguma criatividade até conseguíamos dominar alguns elementos e arrogantemente considerámos que, uma vez que a Mãe Natureza nos tinha abandonado, poderíamos substitui-la. Daí ao aparecimento do “dinheiro”, do “conceito de posse” e do “poder sobre”, foi um instante, e rapidamente substituímos a Lei Natural por uma série de regras e leis sem grande nexo, mas que todas juntas parecem fazer sentido e soam a necessário. Aceitamos a imperfeição inerente pois faz parte do caminho evolução e progresso, justificando assim as mudanças nas leis e nas regras à medida que as nossas necessidades mudam. A urgência de adaptar o mundo à nossa volta ao que precisamos passou a regular-nos de tal modo, que a frase “deixarmos um mundo melhor para as gerações vindouras” se enraizou profundamente, tanto que nem nos apercebemos do seu verdadeiro significado.
Todo o suposto “progresso” e “evolução” atingidos são consideradas verdades absolutas que nos cegam e não permitem ver a realidade tal como ela é. Consideramos normal, morrerem milhares de crianças diariamente no planeta, ao mesmo tempo que milhões de crianças são sexualmente abusadas. Aceitamos quase sem questionar que a existência de conflito é perfeitamente natural, e atingir a paz global no planeta com respeito por todos os intervenientes é uma tarefa impossível. Acreditamos que os recursos são escassos e a sua distribuição equitativa impossível de se conseguir, por isso a existência de famílias inteiras no limite da subsistência é algo assumidamente normal e, desse modo, o panorama actual é mesmo o melhor que podemos conseguir, afinal até temos a Organização da Nações Unidas para garantir que o mínimo de decência não é ultrapassado, e permitir-nos, cidadãos impotentes, dormirmos descansados e com a consciência tranquila de que estamos a fazer o máximo que conseguimos e podemos.
Assim, temos crianças que nascem sem o mínimo de condições para nascer, e até podemos pensar que esta frase é restrita aos países do terceiro mundo, mas infelizmente diz respeito ao planeta todo. Não está relacionada com condições financeiras, de bem-estar, saúde ou higiene. Por difícil que seja admitir, o homem não está preparado para receber e ensinar outros seres vindouros a viver neste planeta. Ensinamos as crianças a perdurar o estado actual, pois vivemos iludidos na ânsia de deixar um planeta melhor para eles, mas não conseguimos percepcionar que a solução não está nesse ponto mas, ao invés, em “DEIXARMOS UMA MELHOR GERAÇÃO PARA O PLANETA” e que o caminho a escolher é o da “DISPONIBILIDADE PARA APRENDER”, em vez da evolução e do progresso sem sentido.
O resultado obtido até ao momento não deixa margem para duvidas, o planeta transformou-se num recreio enorme onde podemos estar entretidos de forma contínua, adquirindo e experienciando, sem limites, conseguimos ultrapassar a Mãe Natureza e desrespeitamo-la continuamente, temos tudo o que queremos, um mundo feito à nossa medida. No outro lado da moeda temos o desrespeito por tudo e por todos, inclusive o desrespeito próprio, a experiência da desconexão, jovens conectados ao vício, seja dos jogos, seja do açúcar, seja da droga nas suas variadíssimas vertentes, por terem perdido a conexão com a realidade, por pensarem que tudo está disponível e só precisam de copiar. Até a musica que sempre foi onde os jovens expressavam as suas ideias se tornou vazia, repetitiva e sem criatividade, à imagem do mundo onde vivemos. Mas não são só os jovens que expressam desalento. Temos os idosos que são mantidos agarrados ao televisor pelas telenovelas ou então encharcados de medicamentos, não lhes permitindo transmitir as suas experiências às gerações seguintes, e acima de tudo, uma classe trabalhadora presa na necessidade de ter dinheiro para sobreviver, que anseia chegar à idade da reforma para poder viver, desperdiçando o seu potencial tentando, uma vez mais, deixar um planeta melhor para a geração seguinte, em vez de disponibilizar-se para aprender a deixar uma geração seguinte melhor para o planeta.
Quando é que o ciclo termina? O que é que podemos fazer para que as coisas mudem e passemos a ter uma vida decente como seres humanos e com respeito pelo planeta?
O problema iniciou-se quando não entendemos o verdadeiro significado do desafio que tínhamos pela frente. Não precisamos de retornar a viver em cavernas e totalmente dependentes do ambiente, mas precisamos de olhar para o que já construímos e perceber, qual o verdadeiro significado da vida? Qual a nossa missão no planeta? Quais os verdadeiros valores que regulam a vida? Deixarmos de culpar o sistema pelos resultados e assumirmos as responsabilidades, começando a mudar aquilo que está ao nosso alcance e que depende exclusivamente de nós.
Na natureza tudo se organiza no sentido de trazer novas vidas, mas o homem ao se afastar cada vez mais da natureza despreza de tal forma esse acontecimento, que chega ao limite de transformar a tarefa de trazer um novo ser a este mundo, em algo mecanizado e quase programável, chegando algumas vezes ao limite em que não é mais necessário um homem e uma mulher para o fazer, mas apenas uma parte do espermatozóide e uma parte do óvulo para gerar a fertilização. Desprezamos o verdadeiro valor de trazer vida ao planeta e o trazer uma vida em Amor, como um acto inicial de boas vindas a um novo ser. Consideramos que é um preço pequeno a pagar ao progresso e não fazemos a mínima ideia das consequências que todo um processo fora daquilo que a natureza nos oferece tem para esse ser, para a família que o acolhe e para a humanidade de um modo geral. Já para não falar nas cerimónias fúnebres, que desrespeitam totalmente a decisão daquele ser em iniciar a sua viagem de retorno.
Nascer, viver e morrer, por incrível que possa parecer e depois de milhares de anos de presença do homem na Terra, continuam envoltos no maior enigma. Na generalidade consideramos nascer como o momento em que o bebé sai de dentro da barriga da mãe e começa a respirar, e consideramos morte quando esse ser deixou de respirar, enquanto viver continua a ser algo sem sentido. Nada mais ilusório. O nascimento de um ser, a sua vida, bem como a sua morte, têm uma grande importância para TODOS.
Cada etapa envolve várias fases, começam e terminam em sítios muito diferentes daquilo que normalmente consideramos. O nascimento de um ser, arrisco-me mesmo a dizer, começa no momento em que os seus pais nasceram, e termina quando o consciente se forma, por volta dos 7 anos. Já a morte começa quando o consciente inicia o seu processo de retorno, e termina mesmo, muitos dias depois de legalmente alguém ser considerado definitivamente morto, iniciando-se de seguida a etapa de preparação para o nascimento, fazendo o ciclo perdurar continuamente. O evento vida é diferente daquilo que estamos habituados a considerar, e a sua qualidade tanto individual como colectiva depende significativamente do modo como o início é vivido e do modo como o seu fim é experienciado, ou seja, nascer ou morrer não é algo instantâneo que tem um tempo de duração muito pequeno, mas um processo a que temos de dar a máxima importância. A vida é um evento que não se limita ao aparecimento efémero e único neste planeta, mas a um ciclo que perdura no tempo e que cabe a nós, a espécie no planeta que tem o potencial para desenvolver consciência global, transformá-lo em ciclos experienciais de disponibilidade para aprender, em vez de ciclos de evolução e progresso sem sentido.