Acabamos de nascer, e agora?
Depois de uma longa espera tudo se precipita e, como que sugado, tive de passar por um caminho muito estreito onde fui comprimido quase até ao limite. A experiência de alívio ao chegar ao outro lado do túnel é imediatamente esquecida pela mudança ocorrida no ambiente. Passei de um ambiente tranquilo e estável, em que só ouvia as emoções de uma pessoa e os sons e sensações eram protegidos pela camada de tecido materno existente entre mim e o exterior, para um local onde existem vários sons, vozes, pensamentos e emoções quase sem fim. Para além disso, ainda tenho de fazer algo que nunca tinha feito: respirar e comer. Enquanto não respiro é como se tudo fosse parar e uma espécie de aflição e tensão começa a surgir dentro de mim. Para além disso parece que tenho de colocar algo dentro da boca para preencher o vazio que sinto na barriga. Procuro incessantemente uma referência que me ajude neste caos. Até que, como que por milagre, ali está ela! Onde estive guardado durante 9 meses. Sinto a conexão. Deixou de ser tão intensa, mas ainda é algo que reconheço.
Nascer, começar a viver e viver são sempre experiências únicas, tanto para o novo ser, como para os pais que foram encarregues de o ensinar e explicar como é que o mundo, a que ele acabou de chegar, funciona. No início não é fácil, pois a linguagem não é a mesma, para além disso o nível de consciência é diferente nos dois lados. A comunicação é o ponto mais relevante a ter em conta e as condições para que ela possa ocorrer de forma tranquila não podem ser desprezadas. A comunicação e o entendimento, nas primeiras fases da vida, são essenciais para o futuro do bebé e de toda a família e muitas vezes nem conseguimos imaginar como pequenos actos podem, no final, fazer tanta diferença. Tudo pode ser modificado e ajustado no futuro e algo que seria extremamente fácil de atingir agora, ficará sempre mais difícil à medida que o tempo vai passando e se esses mesmo erros se mantiverem. Os hábitos e aprendizagens adquiridas são sempre de difícil modificação, agarramo-nos a elas como lapas inseguras, com medo de ficarmos novamente no vazio sem sabermos quem somos, como se a primeira experiência ao chegarmos ao planeta fosse tão traumatizante que não queremos mais largar algo que parece funcionar. Procurar alternativas significa mudar crenças e comportamentos adquiridos e isso faz-nos retornar ao momento do nascimento, em que julgávamos que tudo era calmo e tranquilo para de repente estarmos envolvidos no maior caos e com a necessidade de aprender tanta coisa ao mesmo tempo que, o esforço para largarmos o que já aprendemos se sobrepõe às vantagens de mudarmos.
Ensinar uma criança é algo recíproco: os pais ensinam os filhos e os filhos ensinam os pais. Os pais devem humildemente assumir que a balança da aprendizagem mostra um valor maior para os pais, ou seja, as crianças veem para ensinar os adultos, no entanto os adultos têm a opinião contrária e pensam arrogantemente que as crianças não sabem nada, que são inconscientes e que tem de ser ensinadas. Nada mais errado e enquanto pensarmos dessa forma, não percebemos a simplicidade e a beleza de recebermos e ensinarmos uma criança a tornar-se num adulto emocionalmente resolvido. Cada momento é um momento de partilha de “conhecimentos” e de crescimento emocional. Afinal é isso que viemos aqui faze: crescer emocionalmente. E nesta relação de pais e filhos, quem tem mais a ganhar são os pais e são eles que tem agora a possibilidade de evoluírem e se desenvolverem. Investimos tempo e dinheiro em cursos de desenvolvimento pessoal, pela arrogância de pensarmos que as crianças precisam de ser educadas e protegidas. Desperdiçamos e recusamos a oportunidade que eles nos estão a dar de crescermos como pessoas e tornarmo-nos adultos honestos de sentimentos e de acções, ou seja, com A grande.
As crianças não trazem nenhum manual de instruções e se trouxessem seria desnecessário, pois cada caso vai ser um caso e cada família irá ser uma família. O que temos de entender é qual o processo para ensinarmos as crianças a viverem neste planeta e que ao mesmo tempo nos vai fazer crescer e as tornará adultos conscientes de si e dos outros.
Antes desta Era sempre se criaram e educaram crianças e não existiam referências estatísticas para nos guiarmos e quando usamos a “normalidade” como arma, aquilo que são vantagens podem rapidamente transformar-se em desvantagens.
No mundo moderno estabeleceram-se referências físicas, emocionais e cognitivas. Em vez de querermos atingir essas referências de “normalidade” achando que estamos a ser pais bem-sucedidos quando as atingimos, ou achando que estamos a ser uns desastres e que algo está a correr mal quando não as atingimos, o mais importante é comunicar com o nosso filho e dar-lhe as condições para ele aprender, envolvido por muito amor e respeito, onde a ansiedade, o medo, o julgamento, a culpa, o ressentimento, as expectativas, as comparações com outros, a importância do cumprimento de regras impostas pela sociedade, sejam colocados de lado por não serem ajustadas à descoberta de algo único e precioso: ele próprio. Se aplicássemos esta “normalidade natural esquecida” talvez fosse uma forma mais saudável de crescermos e ensinarmos os nossos filhos a crescer.
Nos primeiros tempos de vida a ligação com a mãe é essencial e o bebé sente tudo aquilo que a mãe está a sentir. Entre outras emoções ou situações do universo materno, se a mãe está com medo, ele vai sentir medo, se a mãe está ansiosa, ele vai sentir-se nervoso e com todo o sistema nervoso a fluir a uma velocidade que não está preparado e que ainda não sabe lidar. Deve ter-se em conta a sensibilidade do bebé aos estímulos, a forma como a mãe viveu a gravidez, o modo como ele chegou, parto normal, parto normal, mas com espera, parto normal retirado com ventosas ou ferros, cesariana ou mesmo prematuro e de quantos meses; vão fazer diferença no modo como ele se relaciona com o meio ambiente e com os estímulos externos. Ter em consideração estes e outros factores no início poderão fazer toda a diferença no crescimento e relacionamento familiar, bem como nos relacionamentos da criança, e mais tarde na vida adulta nas suas variadíssimas vertentes. Deve salientar-se que o pai tem um papel essencial neste processo. Assegurar as condições para que a mãe possa nutrir o seu rebento, dando-lhe a tranquilidade e a calma necessárias, bem como dar o carinho e as orientações necessárias para que a semente germine saudável e emocionalmente esclarecida, é uma função que o pai deve entender como sua. Alhear-se do processo, sobrecarregar a mãe com a culpa e o fardo do insucesso, não assumindo a sua quota-parte de responsabilidade leva a que convivência familiar se possa tornar desgastante e insuportável para todos os envolvidos.
Imaginem-se numa sala com algumas pessoas, onde conseguem experienciar tudo aquilo que essas pessoas estão a pensar, a sentir tanto emocionalmente como fisicamente tudo o que as pessoas dessa sala possam estar a sentir. Conseguem imaginar tudo isso a acontecer? Logicamente, no meio daquele caos informativo, tentariam procurar algo que lhes possa parecer familiar. Para o bebé a mãe é aquilo que ele reconhece, pois viveu nove meses com ela, sabe exactamente como ela funciona, quais os seus padrões. Infelizmente para o bebé, a mãe que ele conheceu durante a gravidez, também mudou, tornando o seu mundo ainda mais caótico e de difícil adaptação. Se adicionarmos isto ao facto de, nalguns casos que não são tão poucos como isso, e atrevo-me a dizer que são a grande maioria, o parto não foi de forma natural, a sensibilidade desses bebés é significativamente maior, tornando assim o momento de adaptação mais doloroso e com consequências mais profundas na vida futura. O papel dos pais, inicialmente e no futuro, é serem menos reactivos, mais atentos e continuamente observadores e compreenderem estes aspectos de adaptabilidade, colocando-se mais numa postura de escuta activa e de comunicação constante com o filho. Nos primeiros tempos, dar o papel de comunicadora principal à mãe, para a pouco e pouco o pai também passar a ter o seu papel de comunicador, mas essencialmente nesta primeira fase, tal como em muitas outras, o seu papel é de dar as condições para que a mãe esteja tranquila, entender as verdadeiras necessidades da mãe e ajudá-la a comunicar com o seu filho. Acima de tudo a mãe poderá estar em stress por não estar a conseguir entender-se com o seu rebento, ou por nem sequer ter tempo para cuidar de si, o papel de observador do pai é importante para que possa intervir da forma certa e adequada ao momento. Muitas vezes o pai intervém demais na relação entre a mãe e o filho ou então afasta-se não querendo saber, tornando assim, tanto num caso como no outro, a vida mais difícil para a mãe e o bebé.
O desenvolvimento do bebé é único e é importante perceber que as janelas de referência criadas pelos pediatras para avaliarem o desenvolvimento infantil são apenas referências que não tem nada a ver com o desenvolvimento daquele bebé. É importante percebermos que quando regulamos a nossa vida por aquilo que é a “normalidade”, corremos o risco de mantermo-nos calmos e serenos se tudo se encaixar no previamente estabelecido, e tudo se pode tornar um desespero quando esses objectivos não são atingidos. Quando o bebé se desenvolve como o esperado tudo vai bem, mas se por algum motivo regride achamos imediatamente que ele não está a acompanhar e começa-se imediatamente a pensar sobre o que podemos fazer para voltar a colocar o bebé no caminho da “normalidade”. Relembro que a raça humana já existia antes dessas janelas de “normalidade”, e que por acaso até conseguiu gerar indivíduos mais capazes e mais tranquilos do que aqueles que geramos actualmente. Dar amor e conseguir um ambiente ao redor do bebé de amor puro é aquilo que os pais tem de conseguir, e isso, sim, é a sua referência e a sua janela de “normalidade” que tem de atingir. Entender que avanços ou regressões no desenvolvimento da criança vão sempre existir e que é a sua capacidade de observar, tranquilizar e transmitir amor que vai dar o grau mais elevado de sucesso. Cada fase da vida da criança tem as suas dificuldades e aprendizagens e o entendimento da melhor forma para lidar com elas é aquilo que cabe aos pais aprender. Vivemos na necessidade de proteger os nossos filhos e educá-los encaixando-os nas regras definidas pela sociedade, em vez de os ensinarmos e guiá-los no sentido de se descobrirem e entenderem a linha ténue do respeito por si e pelos outros. Não conseguimos suportar o choro de um bebé, quando o que pode estar a acontecer é ele estar a precisar de chorar para aprender a lidar com alguma emoção que esteja a sentir e que lhe é desconfortável. Saber identificar aquilo que o bebé está de facto a precisar, é o segredo que os pais têm de descobrir, dar aquilo que eles pensam que o bebé precisa ou que alguém lhes disse que ele precisa não é de todo a sua função. Pequenos gestos têm um impacto enorme na paz familiar, o querer impor algo por acharmos que deve ser aquilo e quando funciona muitas vezes não percebemos as consequências. Por exemplo: um bebé que chora pode não precisar de cuidados, mas apenas de alguma tranquilidade. Para os pais perceberem as várias diferenças requer estarem atentos, observarem e terem noção de que cuidar e ensinar uma criança requer tranquilidade, calma, ensinar respeito por ela e respeito pelo outro, ser congruente e honesto consigo próprio e perceberem que a criança aprende através do que sentimos e da congruência com o que fazemos, e definitivamente não aprende com o que fazemos sem conexão com o que sentimos, nem aprende com o que dizemos.
Quando dizemos algo, que na prática não o fazemos nem sentimos, estamos apenas a ensiná-los a mentir e a serem incongruentes com eles próprios, instalando a crença de que a vida é feita à base da mentira, da incongruência e da falta de respeito mútuo.
Deixar que os filhos nos ensinem e nos digam se estão ou não a proceder da melhor forma, requer humildade e sabedoria por parte dos pais. Quando estamos no caminho certo o rosto dos bebés e das crianças reflectem satisfação, estão tranquilos e respondem de forma organizada e previsível. Quando não estamos no caminho certo os bebés e as crianças mostram-se desorganizadas e inacessíveis, desviam os olhares e tem medo do contacto com outros humanos, são agitados e difíceis de acalmar e os seus choros podem ser convulsivos e permanentes. Perceber quando o bebé precisa de ficar sozinho para se organizar, ou a criança precisa de passar tempo com ela própria sem estímulos exteriores, admirar-se-ão com a velocidade com que os comportamentos e a maturidade emocional evoluem, verificando-se uma maior adaptabilidade aos vários meios envolventes que ela tem de enfrentar. Existe tempo definido para que tudo possa acontecer, dar a oportunidade para que momentos de partilha, ou de introspecção naturalmente aconteçam é o segredo que todos temos de descobrir.
Para além de outros exemplos que poderíamos dar, escolhemos o chuchar o dedo ou o de usar a chupeta. Muito poucas crianças vão para a escola ainda com esse hábito. As que ainda o fazem no jardim infantil ou nos primeiros anos de escolaridade são aquelas em que o hábito foi reforçado por pais que nele interferiram. Para imprimir a uma criança um padrão de comportamento obstinado, basta tentar impedi-lo numa altura em que ela realmente precisa desse lenitivo. Isto também se verifica com muitos outros “hábitos” que seriam passageiros se os adultos não os tentassem impedir. A opinião dos pais sobre determinado assunto ou comportamento quando não esclarecida leva a que hábitos ou comportamentos mais profundos se enraízem. O bebé é um ser em descoberta e aprendizagem constante, limitar a aprendizagem é limitar o seu desenvolvimento emocional. As crianças pequenas começam desde cedo a viver num mundo de tensão, é natural que procurem algum tipo de autoconforto, como modo de vencer estas tensões. Aprender a descobrir em si as suas formas de conforto é importante, em vez de ficarmos satisfeitos com o conforto ou as soluções que os pais nos oferecem, cabe aos pais incentivarem o bebé a encontrar-se em vez de lhes darem soluções programadas por eles, de acordo com o que eles acham, em vez de o bebé descobrir as suas próprias soluções. Comentário de uma mãe “ Acho que se eu conseguisse fazer tudo por ele e acertadamente, o meu filho não precisava desse apoio.” O padrão de autoconforto próprio de cada criança suscita nos pais sentimentos de inadequação, talvez até de ciúme. Num extremo diria que se os seres humanos tivessem asas e precisassem de aprender a voar para sobreviver, com o comportamento educativo que temos vindo nos últimos anos a aplicar, ter-nos-íamos extinto há milhares de anos atrás.
Como é que hei-de saber se estou ou não a ser um bom pai ou uma boa mãe?
A única forma segura é observar o bebé ou a criança. Só ele, e mais ninguém, poderá responder a essa questão e dizer se os pais estão ou não na direcção certa. Quando não é o caso, aprende-se à custa de erros e não se perde nada no processo, se nos mantivermos observadores e deixarmos a ansiedade e o desconforto de não sabermos o que se passa de lado. Ter um manual de instruções é impossível, pois apesar de existirem padrões, cada bebé, tal como cada pessoa, são detentores de um código singular e falam uma linguagem própria.
Os padrões de comportamento instalados e as situações que foram vividas nos primeiros sete anos de vida de uma criança têm uma relevância maior sobre toda a sua vida. Assim adultos esclarecidos e conscientes geram crianças e adultos criativos, motivados, emocionalmente esclarecidos, com uma vontade enorme de experienciarem a vida, transformarem a sua passagem pelo planeta em algo de que se possam orgulhar e transmitirem a sua sabedoria às gerações futuras na hora de se despedirem.
A mudança pode acontecer agora, e isso só depende de cada um de nós.