O choro ecoava no armário já havia algum tempo e sem qualquer esperança de terminar. A Bola Vazia que por natureza era calma e tranquila, sentia a nascer dentro de si um certo ar, que a começava a encher de irritação. A Raquete de Ténis que vinha de boas famílias, mas que estava há algum tempo parada, sem grandes relacionamentos, por se ter partido uma corda, ao percepcionar a agitação que borbulhava dentro daquele cubículo a que estavam presos, tenta diplomaticamente acalmar a situação, mas sem grandes resultados, bem pelo contrário, o choro aumentou de tom e tornava a vida dentro daquela caixa, verdadeiramente insuportável.
– Olha lá, oh! “Leyca” vais parar com esse teatro ou vamos ter de te bater para que possas chorar com razão? – dispara verdadeiramente irritado o Cubo Mágico para a Máquina Fotográfica.
– Eu… eu não… não quero… não quero saber… – responde a soluçar a Máquina Fotográfica – a vida… a vida… não tem mais… tem mais… sentido para… para mim.
A muito custo, Leyca começa a acalmar-se e a retornar à imagem e postura elegante, que todos conheciam e admiravam.
– Abandonaram-me aqui e já não existe mais razão para viver. A única coisa que me dava prazer, era tirar fotos e aqui fechada neste sítio perto do fim do mundo, ninguém me usa para fotografar. Não tenho qualquer utilidade.
– Mas sabes porquê que te fecharam aqui? – pergunta a Bola Vazia, tentando ajudar.
– Não sei. A única coisa que ouvi antes de me colocarem neste armário foi que, eu já não fazia as coisas bem. – responde Leyca desesperada.
– E se fossemos ver os teus álbuns de fotografias, talvez consigamos identificar alguma coisa que te possa ajudar – sugere o Cubo Mágico.
– Sim, esses onde passas a maior parte do teu tempo e que te fazem sempre ficar triste. Deve haver alguma pista nessas fotos que te possa ajudar – acrescenta a Raquete de Ténis.
– Eu já vi essas fotos de trás para a frente, vezes sem conta e não consigo encontrar nada que me ajude. Pelo contrário, fazem-me recordar como eu era boa a tirar fotos e lembram-me certos acontecimentos, emocionando-me, levando-me a chorar descontroladamente – salienta a Máquina Fotográfica, sem grande esperança, deixando uma lágrima deslizar pela objectiva.
– Olha lá, não custa nada tentar mais uma vez, e sabes, às vezes, outros olhos mostram perspectivas diferentes da mesma realidade – insistia o Cubo Mágico.
A muito custo, Leyca lá acedeu às insistências dos companheiros de cela.
– Vamos começar da foto mais antiga para a mais recente e a partir daí tentar descobrir alguma coisa – sugeriu diplomaticamente a Raquete de Ténis.
Motivados por puderem ajudar a sua amiga, lá foram cheios de esperança e convencidos de que iriam encontrar uma solução. Após algumas horas a pesquisar, encontram algo que começava a ser comum em todas as fotos. Retornam às primeiras peliculas e encontram a memória inicial onde aquela marca aparecia. Era um padrão ténue e de difícil identificação se não se soubesse o que se procurava, mas lá estava sem margens para duvidas. Satisfeitos com a sua descoberta retiram aquela foto do álbum e levam-na até Leyca para que ela visse o que tinham encontrado. Mal a vê, começa a chorar e a proferir durante algum tempo frases sem sentido. Quando se consegue novamente acalmar, explica aos seus companheiros, que quem aparecia na imagem era Mariana, a filha da sua dona. Eram tão felizes! Foram momentos tão interessantes! A miúda corria, brincava e cada momento era carinhosamente registado por ela. Depois destes momentos de intensa emoção, os companheiros de cela de Leyca explicam-lhe o que eles encontraram: esse momento retratava a primeira vez que o padrão tinha aparecido. Tinham encontrado a causa original do desconsolo de Leyca, todos estavam esfusiantes e animados com a descoberta.
– Vamos retrabalhar essa foto para mudar a situação – tenta o Cubo Mágico encontrar uma solução.
– Mas isso não vai mudar todas as outras fotos – refere a Raquete de Ténis.
– Então vamos ter de trabalhar todas as fotos – retorna o Cubo Mágico, ficando preso na sua ideia.
– Talvez o melhor seja destruir todas as fotos e retrabalhar os negativos – sugere a Bola Vazia.
– Parece-me que essa ideia é melhor. Pois sempre que se quiser reproduzir a foto ela já virá como deve ser. Se corrigirmos só a foto, o negativo manter-se-á igual e o padrão não se alterará – menciona Leyca recorrendo aos seus conhecimentos técnicos de fotografia.
– Mas retrabalhar todos os negativos é um trabalho que nunca mais acaba. Vocês viram a quantidade de fotos que estavam guardadas nos álbuns? São milhares – salienta a Raquete de Ténis desconsolada com as soluções.
– O que tem de ser mudado é o padrão dentro da Máquina Fotográfica, para que ela volte a tirar fotos sem defeito – diz numa voz seca e quente alguém que estava escondido na sombra do canto daquele armário, e que tinha estado a observar todo aquele frenesim à volta de Leyca e dos seus prantos.
– Então e as minhas queridas memórias? – pergunta Leyca
– Elas já não te servem para nada. O que interessa é o que viveste e o que aprendeste ao viveres esses momentos. Carregar essas memórias todas, tão detalhadas e tão vividas, só te vão criar desconforto e tristeza por momentos que não voltam mais. Deves focar-te é, em tirar boas fotos agora. Para isso temos de corrigir o padrão que existe dentro de ti, que faz com que todas as tuas fotos fiquem estragadas – insistia o Homem do Espaço ao mesmo tempo que se deslocava na direcção de Leyca.
– E como é que isso se faz? – pergunta a Bola Vazia já desesperada com tanta conversa.
– Se a Leyca permitir e estiver disponível para isso, eu posso tratar rapidamente do assunto – responde o Homem do Espaço.
– O que é que isso significa? – pergunta Leyca
– Significa que tens de querer mudar esse padrão e também desapegar-te de todas as fotos que já tiraste e dos seus negativos. Estás disponível para isso? – insiste o Homem do Espaço.
– Não sei, estou um pouco insegura, afinal é toda a minha vida – Leyca olhava à sua volta e recolhe timidamente o flash sem saber o que fazer.
Os outros tinham percebido claramente a mensagem do Homem do Espaço e perceberam que também eles estavam agarrados ao que já tinham sido, não lhes permitindo sair daquele armário onde As Memórias do Passado eram enclausuradas, tal como Os Sem Solução e os Desiludidos com a Vida.
Enquanto no armário esquecido e escuro o reboliço era muito, Mariana que já era uma mulher, abria a porta desse espaço com intenção de revisitar as suas memórias esquecidas da infância. No preciso momento em que consegue ter a perspectiva de tudo o que estava a ver, dá um salto de espanto. Algo estranho estava a acontecer: a bola estava cheia e renovada, como se os anos não tivessem passado, mas isso até era o menos; a raquete estava arranjada; o cubo mágico tinha as cores e funcionava como se fosse novo; e o mais impressionante, a máquina fotográfica parecia renascida. Com cuidado, retira-a do armário e tira uma foto com ela e milagrosamente funcionava! A alegria de Mariana era tanta que larga tudo e corre para contar à família o que se estava a passar naquele armário. No caminho apercebe-se que algo estava em falta. Retorna ao armário para recuperar o que lhe faltava. As fotos tinham desaparecido. Uma tristeza momentânea apodera-se de si, mas tal como uma brisa repentina se esvanece no ar, percebe que a vida decorria naquele momento, naquele segundo, a vida não estava naquelas fotos, o passado não lhe podia trazer mais felicidade. A vida esperava-a e ela queria vivê-la com intensidade, evitando repetir o padrão que a levou a manter aquele armário cheio de coisas inúteis.
– Vocês viram para onde foi o Homem do Espaço? – pergunta Leyca aos seus companheiros de Vida.
– Evaporou-se no ar dizendo que a sua missão estava cumprida – responde o Cubo Mágico.
– Mas quem era ele, de onde veio, o que estava aqui a fazer? Eu nunca o tinha visto antes – insiste Leyca, tentando entender o que se tinha passado.
– Acho que quando te permites viver conectada com a vida, dar a cada segundo o melhor de ti, e acreditares que isso é, sem sombras de dúvidas, o melhor que podes fazer, desapegando-te das memórias inúteis, dos sentimentos bloqueadores, das mágoas e ressentimentos do passado, e estás disponível para modificares continuamente todos os teus padrões de funcionamento, ele estará sempre presente na tua vida, dando-te tudo aquilo que precisares – respondia intuitivamente a Bola Vazia, cheia de felicidade e amor por si.