Eram 6 da manhã e o dia ainda não tinha nascido, no início do Inverno era um pouco dorminhoco e acordava muito mais tarde que o António, que àquela hora já tinha passado pelo banho matinal e aprontava-se para o ritual da manhã, ligar o televisor nas primeiras noticias do dia e ingerir com calma, tal como as notícias, a primeira refeição do dia. Sentia-se nervoso, não pelas notícias nem pela refeição, mas pela entrevista para um novo emprego programada para o final do dia. A mudança assustava-o, ao mesmo tempo que o motivava. Depois de 5 anos no trabalho actual sentia-se preso, porém a motivação para mudar de ambiente e de pessoas empurrava-o nesta nova direcção que pretendia para a sua vida. No meio destes pensamentos e sem saber muito bem porquê, uma notícia que passava no televisor despertara-lhe a atenção. Um magote de jornalistas tentava entrevistar alguém que não queria ser entrevistado e que se tentava refugiar no seu carro. Com aquele nervosismo e agitação à sua volta para lhe captarem umas palavras, nem a porta do carro a ajudava a fugir dali, e apesar da insistência desesperada para a fechar, esta teimosamente mantinha a sua posição, passando os jornalistas quase 5 minutos a tentar sacar uma declaração, enquanto a senhora muda tentava fechar a porta do seu carro topo de gama.

António questionava-se sobre a importância daquela notícia e do tempo dedicado à mesma, afinal de contas, uma senhora a tentar fechar a porta de um carro com 20 ou 30 jornalistas à sua volta não era todos os dias que acontecia. Deveria ser essa a relevância da informação, de outro modo, que sentido faria? No meio deste raciocínio os seus pensamentos desviam-se da televisão para o que estava a comer, o seu cafezinho com leite e a torradinha com manteiga, algo que se tinha habituado e que não largaria por nada desse mundo, afinal de contas um hábito é um hábito, e homem que é homem, deve manter estoicamente todas as suas formas de expressão, de outro modo pode perder-se o sentido da vida e ficar sem saber o que fazer.

Ele tinha regulado toda a sua vida por se manter informado do que se passava à sua volta, tanto para se posicionar na vida, como para fazer as suas escolhas. No entanto naquele momento, ao ver as notícias que estavam a passar na televisão, questionava-se sobre se isso teria sido a opção mais adequada, ou se teria sido possível outra forma de viver. Envolvido por esta divagação matinal, começava agora a colocar em causa o inquestionável pequeno almoço que estava a tomar. Será que tal como o hábito de ver noticias sem sentido, o seu pequeno almoço também não seria o mais adequado para si? Percebia nesse momento que ao longo da sua vida tinha absorvido informação superficial sem qualquer envolvimento, sem qualquer questionamento, apenas julgava como certo ou errado de acordo com os padrões que tinha instituído para si.

Onde e como adquirir conhecimento?

Ao fazer esta pergunta percebe o quanto imediatista tinha sido a sua vida até então. O modo como olhou para o que lhe acontecia, o modo como por exemplo via um filme ou lia um livro, era igual, nunca analisou, nunca construiu um ponto de vista seu sobre os temas, ficou-se apenas por: “é interessante”, ou o mais superficial ainda, “gostei”, “não gostei”, ou então o menos comprometedor “foi bom”. Compreende agora que estes tipos de expressão parecem dizer tudo, mas na realidade não dizem nada, nem transformam nada em efectivamente seu. Quando falava por exemplo sobre um filme, em vez de se limitar a resumir a história deveria ter analisado o seu ponto de vista sobre a mesma, o ponto de vista de quem realizou, e no final perceber o que tinha aprendido e como implementar na sua vida essas aprendizagens. Tal como os filmes que viu, as experiências que foi tendo na existência foram totalmente vazias e inócuas. Começa pela primeira vez a ter a noção da diferença entre informação e conhecimento. Os pensamentos corriam agora a uma velocidade enorme, fervilhando na sua mente e quando a velocidade começava a ser supersónica param de repente bem na frente da sua refeição matinal. Ele tinha a informação de que aquele pequeno almoço não era o melhor para si, e também tinha o conhecimento de outras alternativas que até lhe agradavam, pois aqui e ali, quando saía em viagem com a sua esposa permitia-se experimentar novos sabores, mas mal voltava a casa voltava ao padrão habitual. Então informação e conhecimento por si só não chegavam, era necessário algo mais.

Vontade para colocar em prática, seria isso?

Embrenhara-se agora numa série de pensamentos e emoções relativas a todas as coisas que não tinha sido capaz de colocar na prática. Questionava-se sobre qual a diferença entre ele e aquelas pessoas que se movimentam, que colocam as coisas na prática. Existem poucas que o fazem, porém as que conseguem tem sempre muitas histórias para contar, ao contrário dele que tinha mais uma postura de ouvir e contra-argumentar, nunca mostrou interesse em escutá-las e agora percebe porquê, ele nunca quis colocar as coisas em prática, levando-o a não ter nada para contar, não acumulou sabedoria. Finalmente percebe o sentido da sua vida actual, colectar informação vazia e sem sentido, algum, pouco, conhecimento e muito pouca sabedoria. Afinal aquele pequeno almoço tinha algo de especial. Ia mudar isto tudo a partir de hoje, ia cancelar a entrevista pois não estava mais interessado em mudar apenas por mudar. Ia começar a definir melhor o que pretendia implementar na sua vida para poder informar-se, ganhar conhecimento e colocar em prática. A primeira coisa que ia fazer era mudar a sua alimentação, sendo que o seu primeiro desafio iria ser o seu pequeno almoço. Afinal a vida tinha um sentido e ele percebera-o naquele preciso momento, a realização trazia desafios que envolviam emoções recalcadas que se refugiavam nos hábitos e nos padrões mais inquestionáveis da sua vida, ao estar disponível para os mudar e implementar continuamente hábitos e padrões novos, por aplicar conhecimento na prática, não pela obrigação vazia de mudar sem sentido, levá-lo-ia a conhecer os seus verdadeiros limites e afinal de contas a conhecer-se efectivamente. Se ele estava naquele emprego era porque precisava de aprender algo, e ao mudar por mudar, apenas estava a fugir a essa aprendizagem, quando tivesse aprendido a lidar com o seu chefe e com as emoções que este e o trabalho lhe geravam estaria então na hora de mudar, até lá ainda tinha muito para aprender.

Por: Paulo Pais