Nas últimas décadas, muito se tem falado sobre alimentação, vários tipos de dietas e o poder que os alimentos exercem na nossa saúde física, mental e emocional. 

Não obstante, para conseguirmos compreender a dimensão deste impacto, é necessário entender que o nosso sistema digestivo é habitado por milhões e milhões de microrganismos e que o seu papel não é de todo secundário no que toca ao bem-estar do seu hospedeiro. [1]

Estes microrganismos, que incluem vírus e bactérias, interagem entre si e com o indivíduo que habitam, agindo, sobretudo, ao nível do seu sistema imunitário, o que, naturalmente, influencia o desenvolvimento ou não de doença[2]

Os avanços científicos têm mostrado que as mudanças que fazemos na nossa alimentação diária têm consideráveis efeitos no microbioma e no seu equilíbrio. Contudo, para além disso, os próprios microrganismos influenciam as escolhas que fazemos e a “vontade” que temos de comer determinados alimentos, podendo também contribuir para o surgimento de outras condições como hipertensão, ansiedade ou depressão[3]

Segundo o artigo How Gut Bacteria Tell Their Hosts What to Eat, o investigador português Carlos Ribeiro afirma que “aquilo que as bactérias fazem pelo apetite é como otimizar quanto tempo um carro consegue trabalhar sem precisar de mais gasolina” e consegue provar isto através de alguns procedimentos investigativos[4].

Numa das suas experiências, Ribeiro e os seus colegas demonstraram como o microbioma da drosófila (uma espécie de mosca) influencia as suas escolhas alimentares. 

É fundamental salientar que a investigação e mapeamento do genoma da mosca-da-fruta tem-se revelado essencial na investigação na área da saúde, pois apesar do seu tamanho, o genoma desta espécie é muito semelhante ao dos seres humanos. Dos cerca de 14.000 genes do genoma da mosca que codificam proteínas, aproximadamente dois terços têm um equivalente humano. Para além de terem permitido adquirir conhecimentos-chave sobre o funcionamento de mecanismos biológicos em áreas como a genética e a biologia do desenvolvimento, as moscas-da-fruta têm tido um papel vital no desenvolvimento de tratamentos contra o cancro, as doenças imunes ou a diabetes, para citar apenas alguns exemplos[5]

Para este efeito, dividiram um conjunto de moscas em três grupos diferentes:

  1. O primeiro ao qual forneceram uma solução de sacarose com todos os aminoácidos necessários para produzir proteínas, 
  2. o segundo ao qual deram uma solução com alguns aminoácidos, mas sem aqueles que são essenciais para a produção das proteínas, e que a mosca não consegue fabricar sozinha,
  3. e o terceiro grupo em que os cientistas retiraram da comida os aminoácidos necessários (um de cada vez) para produzir proteínas, com a intenção de perceber qual deles estaria a ser detetado pelo microbioma[6]

Os investigadores descobriram que as moscas dos dois grupos cuja dieta carecia de um único aminoácido essencial tinham um forte desejo de comer levedura rica em proteínas para compensar os nutrientes em falta. Todavia, quando os cientistas aumentaram o tipo de bactérias no trato digestivo das moscas, elas perderam completamente a vontade de comer mais proteínas.

Por outro lado, os investigadores descobriram que as bactérias, para além de conseguirem produzir os aminoácidos em falta, conseguiam também produzir novos produtos químicos (metabolitos) com a função de dizer ao hospedeiro que não precisa dos aminoácidos, o que permitiu às moscas continuar a reproduzir-se apesar da deficiência nutricional.

Depois de realizada a análise aos três grupos, foi possível perceber que havia duas espécies de bactérias no microbioma das moscas que atuavam no apetite e que, ao aumentar a sua quantidade, as moscas apresentavam uma diminuição no desejo por proteínas e um aumento deste por açúcar. 

Para além disto, estas bactérias conseguiram repor as capacidades de reprodução das moscas que havia sido perdida por falta de nutrientes, comprovando, assim, não só a capacidade que o microbioma tem de nos “dizer o que fazer” relativamente às nossas escolhas alimentares, como também do seu poder em promover a cura de possíveis disfunções no nosso corpo[1]

Pode consultar os dois artigos mencionados através dos links: https://www.cell.com/fulltext/S0092-8674(12)00104-3

https://www.scientificamerican.com/article/how-gut-bacteria-tell-their-hosts-what-to-eat/

https://www.science.org/doi/10.1126/science.abk2432?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=rss-science-toc

https://magazine.ar.fchampalimaud.org/mosca-da-fruta-o-pequeno-heroi-da-investigacao-cientifica-foi-completamente-mapeado/


[1] How Gut Bacteria Tell Their Hosts What to Eat (Sheikh, 2017)


[1]  The Impact of the Gut Microbiota on Human Health: An Integrative View (Clemente et al., 2012)

[2]  The Impact of the Gut Microbiota on Human Health: An Integrative View (Clemente et al., 2012)

[3]  How Gut Bacteria Tell Their Hosts What to Eat (Sheikh, 2017)

[4]  How Gut Bacteria Tell Their Hosts What to Eat (Sheikh, 2017)

[5] Mosca-da-fruta: O pequeno herói da investigação científica foi completamente mapeado (Aerts, 2022)

Fly Cell Atlas: A single-nucleus transcriptomic atlas of the adult fruit fly (Li et al., 2022)

[6] How Gut Bacteria Tell Their Hosts What to Eat (Sheikh, 2017)