Caminhava rapidamente, dirigindo-me para a sala de “Encontros com o Mestre”. Enquanto o fazia olhava-me nos espelhos que apareciam intermitentemente nas paredes daqueles corredores. Era estranho a sensação e o que parecia ver. A pessoa que caminhava nos espelhos era diferente de mim. Quando parava para perceber o que se estava a passar, via-me reflectido no vidro frio, mas ao mesmo tempo era como se não estivesse lá. Decididamente tinha de chegar rápido ao Mestre, eu já estava ansioso por aquele encontro mas agora o meu corpo fervilhava! Havia algum tempo que não tinha oportunidade de ouvir o Mestre. As saudades daquelas conversas, que costumava ter com ele, começavam a fazer-se sentir. Ao fundo da sala lá estava ele, parecia que estava à minha espera.

– Não sei porquê, mas a ausência destas conversas contigo, deixaram-me como que no vazio, suspenso no ar…

O Mestre olhava para mim como se nem me visse. Mas eu continuei, eu sabia que ele me escutava.

– É como se eu começasse a caminhar e de repente tudo mudasse. Tudo volta ao início. Começar o processo de ascensão é um desafio! Só agora começo a compreender. Parece que existem coisas que eu tenho que fazer, e quando não as faço, o mundo revolta-se contra mim, tudo parece dar errado. Por outro lado, existem outras coisas que eu tenho de deixar de fazer, e quando as faço, o mundo revolta-se contra mim!

Se não começasse a ter consciência do que se passava, diria que o mundo está mesmo contra mim. Faça o que fizer nada dá certo! Começo a compreender que o mundo está, afinal, do meu lado, mas é difícil de perceber isso no meio de tanta confusão e tanta dificuldade. Percebo que muitas das coisas que me parecem difíceis e não me apetece fazê-las são exactamente aquelas que tenho de as fazer. Quando as faço sinto-me bem. Ultrapasso barreiras, bloqueios e desafios internos, evoluo, fico mais adulto e assumo cada vez mais a responsabilidade pela minha vida. Deixo de sufocar a minha criança interior, dando-lhe espaço e fazendo actividades de que ela gosta e, acima de tudo, sou congruente comigo próprio. Sou consciente de quem sou.

Mas sempre que atinjo este estado, o mundo parece desabar e de repente estou outra vez no início e até parece que não aprendi nada, absolutamente nada!

– Vejo que estás a crescer. Vou falar-te de congruência.

Nós como pais estamos aqui para ensinar os nossos filhos, ao contrário daquilo que alguns de nós pensam, não estamos aqui para os proteger e controlar. Eles não precisam nem da nossa protecção nem do nosso controlo, apenas precisam que os ensinemos.

– Mas porque é que estás agora a fugir ao tema? Eu preciso da tua ajuda! Não entendo a razão para me sentir como que a andar para trás quando estou a atingir níveis de consciência mais elevados!

O Mestre continuou a falar sem dar ouvidos às preocupações do aprendiz.

– Imagina que és pai, e o teu filho que tem 5 anos está a beber água directamente de uma garrafa. A tua primeira reacção seria dizer que ele não deve beber água da garrafa mas sim de um copo. Conforme o dizes, tiras um copo da prateleira, tiras a garrafa do teu filho e despejas a água para o copo, dando de seguida o copo com água para que ele a beba. Ele reclama, mas depois de alguma insistência tua, em que inclusive lhe explicas as razões para ele beber do copo e não da garrafa, ele acata e obedece, bebendo a água a partir do copo.
Passados uns dias, estás na rua e o teu filho diz que tem sede, imediatamente tiras a garrafa de água que tens no saco e dás-lhe para ele beber. Ele recusa e diz que quer um copo para beber a água; devolves-lhe a garrafa e insistes para ele beber assim mesmo. Entre o choro dele e as tuas insistências, a irritação aumenta e começas a ter algumas dificuldades em te controlares. Quando o desespero estava ao rubro e estavas a poucos segundos de perder definitivamente a paciência, ele acede e bebe da garrafa.
O que é que achas que estiveste a ensinar-lhe?

– Estou a ver, nem sei o que pensar…

– Ensinaste que este mundo é incongruente. Tudo depende sabe-se lá do quê. Ele não conseguiu perceber, ou talvez tenha entendido que, dentro de casa bebe-se água pelo copo e na rua bebe-se água pela garrafa. Fica confuso. Tu e ele são os mesmos, a garrafa e a água tem o mesmo aspecto das que estavam em casa, só o sítio é diferente. Analisando à distância, achas que foste congruente? Qual é de facto a regra?

Agora imagina um dia em que não estás em casa e a tua mulher deixa-o beber água pela garrafa, se ainda havia alguma ponta de congruência, agora deixou de haver e o mundo ficou sem sentido. O que lhe ensinaste?

– Estou de boca aberta e totalmente pasmado! Eu faço isso continuamente com os meus filhos e só agora vi o que faço. Agora percebo a razão do Asterix dizer que “estes romanos são loucos!”

– Pois bem, a tua mente é de facto como se fosse uma criança, e tal como uma criança, ela não tem capacidade para perceber essas diferenças subtis. E tal como os teus filhos, a tua mente está contigo para que tu a ensines. Ensina-a, mas congruentemente. De outro modo ela funcionará de forma estranha.

– Mas isso é um processo lento…

– Depende do conceito de lentidão. Deixa-me fazer um intervalo e falaremos já sobre esse tema.